Tradução por Paulo Lima do original em inglês disponível em truth-out.org.
Por Santiago Navarro F. e Renata Bessi
O fracking produz grandes volumes de dejetos tóxicos e radioativos, além de perigosos poluentes atmosféricos.
O fraturamento hidráulico, ou fracking – um método onde hidrocarbonetos presos dentro das rochas são extraídos – está se expandindo rapidamente na América Latina. O fracking emite benzeno, tolueno, etilbenzeno e xileno, que são considerados pela Organização Mundial da Saúde cancerígenos e responsáveis por desordens sanguíneas e outros efeitos imunológicos. Entretanto, apesar desses efeitos adversos na saúde, reservas já foram mapeadas na Bolívia, Colômbia, Venezuela, Paraguai, Uruguai, Chile, Argentina, Brasil e México.
No México, recentemente foi aprovada uma reforma na legislação que promove o fracking como forma de extração de gás do xisto – e com a reforma, o governo abriu a indústria de petróleo para o setor privado. Mais de 1.000 poços utilizando essa técnica estão atualmente em operação em, pelo menos, 11 dos 32 estados mexicanos. Esses empreendimentos de fracking são executados fortemente por empresas norte-americanas, como a Halliburton, Schlumberger e Baker Hughes, entre outras.
“Eu não sabia nada sobre petróleo, mas depois que nossa água começou a ser contaminada, descobrimos que mais de 240 poços na nossa região estão utilizando a técnica que eles chamam de fracking,” disse à Truthout Mariana Rodríguez, da comunidade de Papantla. “Agora, todas as nossas fontes de água estão contaminadas.”
De acordo com Francisco Cravioto, um pesquisador da Alianza Mexicana Contra el Fracking (Aliança Mexicana Contra o Fracking) e membro do Centro de Pesquisa e Analises da organização civil mexicana FUNDAR, a maioria das comunidades que enfrentam a contaminação possuem muito pouco conhecimento a respeito do fracking. “A escala dos efeitos apenas se torna clara quando começam a ter a experiência direta com eles, como no caso da região norte de Veracruz no México, onde, pelo menos, 240 poços de fracking já estão em operação,” disse Cravioto.
A Argentina, enquanto isso, é considerada a capital latino americana do fracking por causa de seus poços em Neuquén Basin, uma vasta região produtora de petróleo que cobre a província de Neuquén e que é onde existe a formação rochosa de Vaca Muerta. Este ano, na Argentina, o fracking foi utilizado para perfurar mais de 1.000 reservas de gás de xisto em areias compactadas e petróleo armazenado em ardósia ou xisto. De acordo com as descobertas da International Energy Agency (Agência Internacional de Energia) publicadas em 2015, apenas os Estados Unidos, Canadá, e mais recentemente Argentina e China produzem grandes volumes de gás de xisto; esses últimos dois países estão na vanguarda do desenvolvimento da extração a partir do xisto.
Fontes de Água Poluídas
O fracking atinge pesadamente o meio ambiente em qualquer lugar que seja utilizado. Ele produz grandes quantidades de resíduos tóxicos e radioativos e perigosos poluentes atmosféricos, e desestabiliza o clima e as comunidades locais.
Uma das grandes áreas ameaçadas pelo fracking na América do Sul está localizada na região de Entre Ríos, na Argentina e na área vizinha ao Uruguai no Chaco do Paraná, onde a extração de oléo e gás de xisto está planejada. De acordo com Roberto Orchandio, engenheiro e ex-empregado da indústria do petróleo nos Estados Unidos e na Argentina, a contaminação da água é um perigo sério. “Nessa região está o Aquífero Guaraní, o terceiro maior do mundo e que guarda 20% da água da América do Sul, cobrindo uma área que inclui o Brasil, parte do Paraguai, Argentina e Uruguai,” disse Orchandio à Truthout. “Portanto, estamos preocupados que se perfurarem o aquífero, ele ficará contaminado e, portanto, destruído. Precisamos avaliar se vale a pena.”
“A água contaminada é um enorme problema. Em alguns locais será um desastre, como no norte do México onde não á água e desperdiçá-la é ilógico, porque são locais onde as pessoas não conseguirão mais viver,” disse Orchandio. “Toda perfuração possui uma perda por vazamentos de água em torno de 6%, causada por uma combinação de fundações mal construídas, acidentes em dutos e corrosão.”
De acordo com o Observatorio Petrolero Sur da Argentina, uma organização que defende a produção e o consumo de energia sustentável, menos da metade da água utilizada é recuperada. Essa água residual contaminada é colocada em tanques, onde a exposição ao céu aberto fazem com que os componentes químicos evapores. A água contaminada é, em alguns casos, reinjetada no solo em outras perfurações.
O Observatorio Petrolero Sur documentou que nos primeiros dias ou semanas da atividade de fracking em uma região uma quantidade significativa de água utilizada no fracking retorna à superfície, depois de ser injetada nas rocha sob alta pressão, o que causa o fraturamento. Orchandio aponta que grandes volumes de metano também é liberado. “Entre 0,6% e 3,2% da produção total de um poço não convencional – seja de um ou de milhões de barris – é emitido como gás metano durante o processo de extração, junto com o fluído de flowback (a água misturada com produtos químicos),” disse ele à Truthout. “O metano é um gás que provoca efeito estufa e é 25 vezes mais potente que o dióxido de carbono.”
Cravioto descreve a exploração da terra pelo fracking como “despossessão territorial,” apontando o impacto desproporcional nas populações indígenas da América Latina. “No México, os povos indígenas e os campesinos [pequenos produtores rurais] foram atingidos pesadamente,” disse. “Suas terras ancestrais estão sendo destruídas, aquelas terras onde sua história, tradições e conhecimentos foram guardados. Ecossistemas inteiros, e aquíferos, tanto de superfície, como subterrâneos estão sendo destruídos.”
Orchandio expressou medo de que a América Latina possa seguir os mesmos passos dos Estados Unidos, onde o fracking se espalhou rapidamente, impactando a saúde humana e do maio ambiente. Nos EUA, os legisladores sempre trabalham para atender aos planos das corporações – mesmo enfrentando considerável resistência dos eleitores.
“Estou aterrorizado pelo pensamento de que eles consigam fazer na Argentina o mesmo que fizeram no Texas, onde baniram o fracking e, algum tempo depois, baniram o banimento do fracking,” disse Orchandio. “Ninguém conseguirá viver em locais onde decidam extrais esses hidrocarbonetos porque tudo o que deixam para trás está morto, o mesmo é verdade no México e no Brasil.”
Independência energética
De acordo com Orchandio, o fracking foi evitado antes na Argentina devido aos altos custos e aos impactos ambientais. “Desde que os EUA fizeram incursões nos poços não convencionais, só no ano de 2010, haviam um total de 2,5 milhões de poços no mundo todo. Sua irrupção começou nos EUA, centralizada em três estados: Pennsylvania, Texas e, em particular, Dakota do Norte, que é um grande expoente e considerada a Arábia Saudita da América,” disse.
Extrair petróleo não convencional custa muito mais do que extrair da maneira convencional, disse o economista Javier Martinez, e a recente queda nos preços do petróleo, causada pela crescente oferta, está fazendo com que fique ainda menos lucrativo. “A alocação de títulos – papéis de petróleo no mercado de futuros – está criando uma bolha especulativa que vai estourar,” disse ele à Truthout.
Orchandio, que faz parte de um grupo argentino que produziu o livro 20 Myths and Truths About Fracking (20 Mitos Sobre o Fracking), disse que os hidrocarbonetos não convencionais oferecem apenas um paliativo temporário para as cada vez menores reservas de combustíveis fósseis. Ele acredita que os poços têm um tempo de vida médio de seis anos, e que no primeiro ano de operação, até 70% da sua capacidade é extraída. “A produtividade desses poços é muito baixa. Para manter a cota de produção, é preciso perfurar poços como loucos,” disse ele. “Para dar um exemplo, na Dakota do Norte, eles precisam perfurar 1.500 poços por ano. Isso é uma abominação. Nos EUA, todas as mais ricas áreas, os maiores bolsões de hidrocarbonetos, conhecidos como pontos doces, já foram fraturados, e não há muitos mais sobrando.”
Orchandio adicionou que as reservas de hidrocarbonetos estão se exaurindo rapidamente em escala global, também. “As reservas diminuem em torno de 4% a 5% ao ano, o que significa que caem em torno de 12 % em três anos; esses 12% ou 13 % da produção global são equivalentes à produção total da Arábia Saudita,” disse. “Isso significa que a cada trẽs anos, é preciso colocar em produção uma Arábia Saudita nova. Eles estão avançando rapidamente para a exploração de mais poços não convencionais em outros países. Um colapso da matriz tecnológica está se aproximando, e isso é uma questão de segurança nacional nos EUA.”
Espionagem e a abertura de novos poços de hidrocarbonetos
Numerosas denúncias nos últimos anos sugerem que a espionagem orquestrada pelos EUA e as ações tomadas em nome da “segurança nacional”, deram apoio à expansão do fracking pelo globo. Os documentos vazados pelo ex-contratado da National Security Agency (Agência de Segurança Nacional – NSA), Edward Snowden em 2013, por exemplo, confirmaram que a NSA espionava as comunicações internas da Pemex no México e da Petrobras no Brasil, assim como outras gigantes de propriedade pública, aparentemente com o objetivo de alavancar suas tomadas de decisão.
“Com relação à espionagem da NSA, não parece ser uma operação simples de roubo de segredos industriais,” disse o Dr. John Saxe-Fernández, autor do livro Energy in Mexico: The Situation and the Alternatives (Energia no México: A Situação e as Alternativas). “É uma espionagem para identificar os elos fracos da cadeia de comando, de forma a saber por onde penetrar, com quem negociar, q quem promover, a quem se deve remover dos processos econômicos e políticos.”
Enquanto isso, este ano o site de notícias investigativo DeSmogBlog revelou que a ex-Secretária de Estado Hillary Clinton ajudou o Governo Mexicano a tecer uma rede de pretextos para abrir o setor de energia – primeiramente envolvendo gás e petróleo convencionais, que são atualmente extraídos através do fracking – para grandes empresas multinacionais com a reforma da energia que foi consolidada em 2014. De acordo com a reportagem, o Governo Mexicano atendeu às demandas da ExxonMobil, Chevron, BP, American Petroleum Institute e produtores independentes de petróleo dos Estados Unidos, entre outros, concordando em deixar essas empresas a capturar os primeiros poços de hidrocarbonetos não convencionais que são, atualmente, objetos de licitações no México. Antes da reforma de energia mencionada acima, o setor estava nas mãos do Estado, sem possibilidade de abri-lo para o setor privado.
“A reforma da energia abriu as portas para empresas privadas nacionais e multinacionais,” disse Cravioto.
Na Argentina, enquanto isso, a maior empresa produtora de petróleo e gás, a YPF, assinou um acordo secreto com a Chevron para a exploração e o aproveitamento de recursos não convencionais na formação de Vaca Muerta, com a Chevron ditando as regras. Algum tempo depois, o poder executivo deu sua aprovação ao acordo através do “Decreto 929/13,” que provocou debates e oposição entre os cidadãos pelo fato de que a YPF tinha sido recentemente nacionalizada e, portanto, seu status de empresa pública significa que não pode se envolver em negociações secretas.
Após o acordo ter sido assinado em 2013, o Senador Argentino Rubén Giustiniani pediu para ter acesso ao texto completo para poder divulgá-lo ao público, alega Giustiniani. No entanto, as autoridades argentinas negaram seu requerimento. Giustiniani estava desafiando a suposta existência de “cláusulas secretas no contrato,” que incluíam um hipotético “comprometimento das forças do país a abrirem mão da região que é a terceira mais rica em petróleo e gás não convencional, por mais de 35 anos,” e uma “clausula que garante o pagamento de bônus perpetuamente, mesmo que a Chevron saia do negócio.”
“As empresas multinacionais que querem investir na Argentina buscam garantias para o preço da extração, e mudanças na legislação que garantam seus investimentos,” disse Orchandio. “Não sabemos para qual caminho a indústria de petróleo não convencional está indo na Argentina. Investidores alegam que eles virão para a Argentina apenas se as condições econômicas melhorarem; basicamente, eles querem que nós paguemos para eles levarem nosso petróleo embora.” Em 10 de Novembro de 2015, três anos após as denúncias de Giustiniani, a Corte Suprema da Argentina ordenou que as cláusulas do acordo entre a Chevron e a YPF fossem publicadas.
A crescente resistência ao fracking na América Latina
No México, Brasil e Argentina, a oposição ao fracking está crescendo.
No Brasil, em resposta ao leilão de blocos para exploração e aproveitamento de xisto em uma área de 168.348 quilômetros quadrados, organizações, pesquisadores e ativistas que pertencem à Coalizão Não Fracking Brasil (Coesus) estão mantendo protestos e ações constantes. Em Outubro de 2015, no Paraná, Bahia, Minas Gerais, Mato Grosso, Acre e no Distrito Federal, houveram protestos do lado de fora de empresas de exploração de combustíveis fósseis que participaram do leilão do Governo Brasileiro de novos blocos de exploração de fracking. Os ativistas brasileiros tiveram o apoio de pessoas em 28 países, incluindo Portugal, Inglaterra e Espanha, que fizeram passeatas do lado de fora das embaixadas e consulados brasileiros.
No México, a Aliança Mexicana Contra o Fracking promoveu uma variedade de atividades na campanha “Diga Não ao Fracking no México!” Uma dessas atividades foi a produção recente de um vídeo educacional que tinha a participação de renomados artistas internacionais e dava informações sobre o que o fracking provoca. A aliança teve o apoio de comunidades indígenas e pequenos produtores rurais, que protestaram e bloquearam estradas para exigir respeito do governo às suas terras ancestrais.
Na Argentina, várias organizações juntaram forças ao Movimiento Artístico-Cultural Contra el Fracking (Movimento Artístico-cultural Contra o Fracking) para publicar uma declaração na qual apelam ao “princípio da precaução” com relação ao fracking, dizendo, “Dados os impactos que [o fracking] tem sobre a saúde humana e sobre o meio ambiente, nosso país deve parar todos os empreendimentos dessa natureza, através de uma moratória, ou seja, através da suspensão.”
Os protestos continuaram a crescer à medida em que mais residentes começam a concordar com a declaração de Cravioto, que a disseminação do fracking é uma “guerra contra a humanidade.”
“Temos de parar de pensar que o mercado tem de resolver nossos problemas,” disse Cravioto. “Temos de voltar nossos olhos para os pequenos produtores rurais e povos indígenas, que nos mostraram que existe um outro modo de vida, um modo de vida que não tem a ver com competição nem com a destruição do meio ambiente para a produção de bens.”
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