Ministério quer retirar do Ibama competência para licenciar produção de ‘gás de xisto’

Vaca Muerta, no noroeste da Argentina. Crédito: Argentina.gov.ar

Com mudança, secretarias estaduais de meio ambiente ficariam responsáveis pelo licenciamento das atividades de produção de gás natural não convencional.

Publicado originalmente no G1, em 25 de maio de 2024.

Ministério de Minas e Energia quer retirar a competência do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) pelo licenciamento ambiental para produção de recursos não convencionais em terra como o gás natural “de xisto” (entenda mais abaixo).

g1 apurou que a medida faz parte das conclusões do grupo de trabalho do programa “Gás para Empregar”, cujo relatório será apresentado ao Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) — órgão de assessoramento da Presidência da República. A data de entrega, no entanto, ainda não foi definida.

Com a mudança, as secretarias estaduais de meio ambiente ficariam responsáveis por fazer o licenciamento das atividades de produção de gás natural não convencional. Esses recursos ainda não são explorados no Brasil.

Atualmente, segundo decreto de 2015, o Ibama é responsável por conceder licença ambiental para as seguintes atividades de petróleo e gás natural:

  • exploração e avaliação de jazidas marítimas;
  • produção marítima;
  • produção marítima ou terrestre, no caso de recurso não convencional de petróleo e gás natural.

Ou seja, as regras atuais dizem que o Ibama é responsável por licenciar a produção, mas a exploração (etapa que antecede a produção) já é competência das secretarias estaduais.

No governo, a transferência da competência de autorizar a produção é vista como uma forma de ampliar a produção desse tipo de recurso — que sofre resistência devido aos potenciais impactos ambientais e sociais da técnica usada para exploração, o fraturamento hidráulico.

Alguns estados, contudo, têm legislações próprias que impedem a exploração desses recursos. É o caso do Paraná, cuja lei sancionada em 2019 proíbe a produção de recursos não convencionais por meio do fraturamento hidráulico.

O superintendente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Marcos Frederico Souza, relaciona a falta de exploração de não convencionais no Brasil a uma resistência social e de comunicação. “Tem que ter uma convergência, uma conscientização geral”, defende.

Para a diretora do Instituto Arayara, Nicole Oliveira, o debate sobre os recursos não convencionais no Brasil já foi vencido, com uma série de leis estaduais que proíbem a técnica.

Contudo, Nicole defende o papel do Ibama para conceder a licença de produção. “Deixar isso na mão do Ibama significa também que tem um controle mais rígido, com uma equipe mais preparada, que trabalha com petróleo e gás e que está preparada [para lidar] com essa técnica”, comentou.

Para a diretora, a discussão sobre o fraturamento deve ser feita em nível nacional, e não estadual.

“A Europa tem barreiras fitossanitárias de diversos químicos que, se forem utilizados em regiões de produção agrícola, essa produção não pode ser importada pela Europa. Vários desses químicos estão nos componentes usados pelo fracking [fraturamento].”

O que são os não convencionais

O chamado “gás de xisto” é o gás natural extraído em rochas com baixa permeabilidade e baixa porosidade. Tanto o gás quanto o petróleo encontrado nesse tipo de formação rochosa são chamados de recursos “não convencionais”.

A diferença entre a exploração “não convencional” e “convencional” é a facilidade de extração desses recursos.

Nos poços convencionais, o petróleo e o gás natural fluem com facilidade depois da perfuração devido à pressão atmosférica, já que as rochas são mais porosas e permeáveis, explica o professor Edmilson Santos.

“Antigamente, os recursos que se encontravam em rochas bem menos porosas e permeáveis, nós nem considerávamos como recursos economicamente viáveis. Era uma situação geológica não economicamente viável, que é um volume muito maior que o outro. A maior parte das rochas não são boas”, afirmou.

A técnica tem riscos ambientais associados, que incluem tremores de terra, contaminação de lençóis freáticos e uso da água em grandes quantidades.

“Você tem alguns elementos químicos usados nesse coquetel que, se não ficarem contidos no ambiente ali da rocha, podem ser nocivos se vierem a encontrar lençóis freáticos, subir à superfície e vazar”, afirmou o professor da USP.

Para o superintendente da EPE, esses riscos são operacionais.

“Esse problema do não convencional é um problema mais de conhecimento. A gente tem que conhecer para poder falar […] O que a gente tem que conhecer é se realmente existem problemas técnicos”, declarou.

Incentivos ao gás natural

Em abril, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, anunciou que o governo iria criar um comitê de monitoramento dos projetos de gás natural, com vistas a aumentar a oferta do insumo.

A ideia é que, ao acompanhar os projetos e destravar questões de regulamentação e licenciamento ambiental, o governo consiga criar as condições para o aumento da oferta e barateamento do insumo aos consumidores.

Alguns projetos estão em curso, enquanto outros estão em fase de estudos – caso do gás da Argentina e dos recursos não convencionais no Brasil.

Veja abaixo lista completa de projetos de onde deve vir o aumento de oferta:

  • gasoduto Rota 3, em construção pela Petrobras, deve aumentar a oferta na costa do Rio de Janeiro com o escoamento da produção dos campos do pré-sal;
  • projeto Raia, da Equinor, que prevê produção de gás natural na costa do Rio de Janeiro;
  • projeto Sergipe Águas Profundas da Petrobras, em desenvolvimento no litoral de Sergipe;
  • gás produzido em Vaca Muerta, na Argentina;
  • gás não convencional no Brasil.

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